Francis Kéré – Biografia e obras
Por Thainá Neves
15 setembro 2022
Diébédo Francis Kéré é reconhecido por transformar contextos inteiros a partir de uma arquitetura que une aspectos imaginativos e afrofuturistas. A combinação entre tecnologia, arquitetura tradicional e técnicas sustentáveis lhe rendeu reconhecimento internacional e, até mesmo, o Prêmio Pritzker de 2022.
Kéré enxerga a arquitetura essencialmente como um meio para alcançar a mudança social e isso reflete em toda a espacialidade e a estética de seu trabalho.
Francis Kéré: desenvolvimento e senso de comunidade
Francis Kéré nasceu na aldeia de Gando, Burkina Faso, no ano de 1965, um contexto cultural no qual a comunidade é considerada família e também ponto de retorno. Envolvido por esse cuidado e afeto, Kéré cresceu mantendo o vínculo com a sua origem.
Com o objetivo de estudar, mudou-se, aos 7 anos de idade, para a casa de seus tios na cidade, tornando-se a primeira criança de sua comunidade a frequentar a escola.
O característico clima semiárido do país alcança facilmente temperaturas de até 40 graus, o que tornava o interior da escola em que estudou bastante abafado. A partir dessa vivência, nasceu o desejo de Kéré por transformar espaços escolares e melhorar o ambiente de aprendizado, criando estruturas que garantam o bem-estar.
Ao fim dos estudos básicos, Kéré tornou-se carpinteiro e recebeu uma bolsa da Carl Duisberg Society para concluir os seus estudos nessa área. Mudou-se para Berlim, na Alemanha, aos 20 anos de idade e, posteriormente, recebeu uma bolsa para cursar arquitetura na Universidade Técnica de Berlim.
A carreira de Francis Kéré
O arquiteto iniciou projetos em Gando ainda durante a graduação, no ano de 2004, arrecadando fundos para a construção de uma escola primária por meio da Kéré Foundation. A organização sem fins lucrativos foi criada em 1998 e, desde então, desenvolve projetos nas áreas de saúde, educação e proteção ao meio ambiente.
No ano de 2005, após concluir o curso de arquitetura, fundou o seu escritório, Kéré Architecture, com sede na Alemanha, desenvolvendo projetos em diversos países. Os seus trabalhos incluem estruturas temporárias e grandes edifícios de usos público e privado.
Além do Prêmio Pritzker de 2022, a sólida carreira construída por Francis Kéré já lhe rendeu importantes premiações, como o Prêmio Global de Arquitetura Sustentável, Prêmio BSI Swiss Architectural, a Medalha da Fundação Thomas Jefferson em Arquitetura e o prêmio alemão de arquiteto do ano, que recebeu em 2021.
Atualmente, além de desenvolver projetos, o arquiteto leciona na Universidade Técnica de Munique e na Universidade de Yale, passando adiante a sua visão ímpar acerca da arquitetura.
Arquitetura de Francis Kéré: entre a África e a Europa
Construir boas edificações para ensinar e aprender é um dos principais objetivos de Francis Kéré, garantindo espaços que promovem senso de comunidade e, ao mesmo tempo, possuem arquiteturas inspiradoras, que fazem sonhar.
Para o arquiteto, apenas pessoas inspiradas são capazes de ter visões além de suas limitações, bem como a energia necessária para concretizar projetos.
A responsabilidade social percorre cada um dos projetos desenhados pelo arquiteto, tanto que o envolvimento da comunidade em todo o processo é uma marca registrada de Kéré. Envolver as pessoas na construção das estruturas cria conexão entre elas e o espaço, fazendo com que se sintam parte do local e da tomada de decisões.
Além disso, os próprios traços das estruturas são acolhedores e convidam as pessoas para o uso interativo, utilizando cada espaço da maneira que sentirem. As escolas em Burkina Faso, por exemplo, cumprem mais do que a função de ensinar crianças em período estudantil, afinal se traduzem como espaço público para a comunidade.
Arquitetura é sobre pessoas e também sobre meio ambiente
Arquitetura é sobre pessoas, mas é também sobre o meio ambiente, sobre o entorno e o arranjo entre o local e a construção. Partindo dessa ideia, o trabalho do arquiteto possui preocupação ambiental, utilizando matéria-prima e técnicas de construção locais para baixo impacto.
Cada uma das soluções construtivas aplicadas em suas obras possui alguma finalidade, como é o caso da argila, que cumpre a função de isolante térmico e mantém fresco o interior dos espaços. Também com o objetivo de preservar a temperatura amena, Francis Kéré desenha as aberturas das construções estrategicamente, assim o ar flui pelas janelas e escapa por espaços próximos do telhado.
Conheça, a seguir, importantes obras do arquiteto que materializam todos esses conceitos.
Gando Primary School
A Gando Primary School está localizada em Burkina Faso e teve início em 2004, antes de Francis Kéré finalizar a graduação. Esse foi o início de uma história marcante para a arquitetura de todo o continente africano.
Convencer as pessoas de que não é necessário incorporar totalmente as tecnologias externas e abrir mão dos recursos locais para obter uma construção de qualidade não foi uma tarefa simples para o arquiteto. No entanto, o impressionante resultado provou que o resgate da cultura local na arquitetura pode ser transformador.
A escola possui uma arquitetura radicalmente descomplicada, que se utiliza de técnicas construtivas locais e prioriza o respeito ao meio ambiente. A argila é, portanto, a principal matéria-prima, pois, além de ser familiar ao povo de Burkina Faso, garante temperatura amena no interior das salas de aula.
Os três blocos possuem espaços livres entre si, mas se unem por um telhado metálico em duas camadas, criando maiores barreiras para os raios solares. Com a finalidade de manter uma boa circulação de ar, a estrutura possui amplas janelas basculantes posicionadas estrategicamente.
O resultado é um edifício agradável que prioriza o bem-estar das crianças e contribui para o aprendizado. O Prêmio Aga Khan concedido ao projeto prova que, sem dúvida, essa é uma arquitetura sustentável e transformadora.
Opera Village
A vila está em Laongo, Burkina Faso, e possui esse nome justamente por conta da casa de óperas centralizada no projeto. O terreno de 12 hectares é ocupado por moradias, escola, centro de saúde, ateliês e, até mesmo, pousadas em torno da casa de espetáculos.
Idealizada pelo diretor de cinema e teatro Christoph Schlingensief, a Opera Village está sendo executada a partir do projeto desenvolvido por Francis Kéré. A ideia é erguer um agradável complexo sustentável para viver e, ao mesmo tempo, promover uma troca cultural com o mundo exterior.
Convidando a ser um ponto de encontro, a casa de óperas está centralizada na vila e inspira a liberdade por meio de seu formato espiralado e aberto. As habitações, portanto, contornam essa área principal de tal forma que a casa de espetáculos ganha ainda mais destaque.
Assim como em outros trabalhos do arquiteto, boa parte dos materiais utilizados nas construções da vila são facilmente encontrados na região, incluindo argila, madeira, tijolos de barro e pedras de laterita. Além disso, os módulos predefinidos facilitam a autoconstrução das residências e envolvem ainda mais os moradores nos processos.
Todas essas características fazem da Opera Village um projeto em contínuo desenvolvimento e expansão.
National Park of Mali
Localizado em Bamako, capital do Mali, o parque nacional é parte de uma reserva florestal protegida que possui 2100 hectares. Essa estrutura verde forma uma importante faixa arborizada, visto que o clima do país é predominantemente árido.
O escritório de Francis propôs inúmeras soluções para o parque, desde acessos, quiosques, banheiros públicos até um centro juvenil e um restaurante. Como resultado, o parque apresenta uma conectada rede para pedestres e garante fácil acesso aos 103 hectares que compõem o espaço.
As edificações projetadas pelo arquiteto são revestidas por pedra natural encontrada na região, material que, com os grandes telhados, mantém a temperatura amena e oferece agradáveis áreas sombreadas.
Pavilhões e estruturas temporárias
Além das construções permanentes, Francis possui uma série de pavilhões, obras elaboradas para eventos temporários e também para exposições. Nessas obras, a estética da surpresa e do encantamento é ainda mais forte, criando verdadeiros marcos para diversos contextos.
Francis já elaborou instalações para diversos países, de festivais de música a exposições de arte e eventos ambientais. Conheça algumas delas a seguir.
Xylem
Sob o ponto de vista de Francis Kéré, a árvore sempre foi o melhor espaço de encontro, afinal é uma estrutura natural que protege, mas não limita. A sua configuração aberta e convidativa é, portanto, o que motivou a construção do pavilhão Xylem.
O pavilhão foi desenhado com o propósito de ser lugar para reunir, bem como para relaxar contemplando a paisagem e meditar sozinho. Assim, a estrutura pousa suavemente sobre o solo e completa a paisagem de maneira sutil sem se impor à natureza.
O agrupamento dos troncos garante uma cobertura que filtra a luz e oferece interessante movimento para o interior do pavilhão. Assim, conforme o visitante se aproxima, a construção cresce e assume formas repletas de detalhes que estimulam a exploração e a descoberta.
O caráter natural do projeto separa detalhes que o tornam ainda mais especial, pois as madeiras respeitam quesitos de sustentabilidade. Todas elas estavam comprometidas por conta de ataques de besouros e foram, portanto, reaproveitadas para o pavilhão Xylem.
Sarbalé Ke
Essa instalação, elaborada para o Festival de Música e Artes Coachella 2019, transcreve a árvore baobá como espaço de celebração. São 12 torres construídas para uso do público, em formato cônico, e diferentes alturas que alcançam até 19 metros de altura.
As estruturas oferecem sombras em meio ao amplo espaço livre, enquanto o topo de cada uma delas possui aberturas para a passagem de iluminação natural. A fim de manter a livre circulação de pessoas em todas as direções, as bases geométricas e recortadas criam espaços transitáveis.
Para completar a estética afrofuturista da instalação, as torres são cobertas por painéis de madeira em tons vivos que remetem à paleta de cores do nascer e do pôr do sol. Com efeito, essa obra de Francis Kéré reproduz o valor que o baobá tem para a África Ocidental ao torná-lo um marco visual para o evento.
Atualmente, o Sarbalé Ke está no East Coachella Valley, onde funciona como um pavilhão permanente voltado para uso público.
A carreira intercontinental de Francis Kéré
A sede do escritório, na Alemanha, não impediu que a obra de Francis alcançasse notoriedade em todo o mundo. Atualmente, conta com obras finalizadas em mais de dez países, além de projetos em desenvolvimento.
A preocupação com os recursos naturais e com a preservação ambiental está presente em cada um dos desenhos de Francis Kéré. Assim, as ideias do arquiteto se personificam em espaços físicos reais de extrema qualidade, provando como o respeito à arquitetura local produz resultados relevantes.
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