Jane Jacobs – Biografia e obras
Por Victória Baggio
14 fevereiro 2022
Pensar na cidade é algo essencial atualmente, afinal é nesses centros urbanos onde está concentrada a maior parte da população do mundo, e, para amparar tal questão, deve funcionar como um sistema bem-articulado. No entanto, este assunto não é novo, e há formas de pensar a cidade que, embora tenham sido elaboradas no século XX, seguem sendo válidas e contemporâneas.
Jane Jacobs é um claro exemplo de uma profissional que exerceu um papel fundamental sobre como vivemos e como poderia ser uma cidade melhor, e sua obra, da década de 50 e 60, continua sendo de extremo valor e aplicada em diversas cidades do mundo.
A seguir, conheça a vida e a obra de Jane Jacobs, importante escritora e ativista americana, que causou uma transformação do modo de ver e habitar a cidade, cuja visão e cuja obra merecem atenção.
Biografia de Jane Jacobs
Nascida dia 4 de maio de 1916, em Scranton, na Pensilvânia, Estados Unidos, filha de pai médico e mãe ex-professora e enfermeira, Jane Jacobs demonstrou gosto e talento pela escrita e pelo jornalismo desde jovem. Após se formar no ensino médio, trabalhou como assistente não remunerada para a revista Scranton Tribune.
Em 1935, período de crise econômica no país, Jane se mudou para Nova Iorque, com sua irmã Betty, cidade onde passou grande parte da vida e cresceu como profissional. Desde a sua chegada à grande cidade, Jane percebeu aspectos particulares daquele lugar, a respeito da formação da cidade, dos bairros e da vida que acontecia naquele contexto urbano.
Mostrou gosto especial pelo bairro de Greenwich Village, zona que se diferencia por não seguir a trama rígida de NY, e é neste bairro e no Brooklyn onde Jane Jacobs morou durante vários anos.
Apesar de a sua obra centrar-se nos estudos sobre o urbano, Jane Jacobs não é arquiteta e urbanista, mas estudou Ciências Políticas e Economia na renomada Columbia University.
Após formada, começou a trabalhar como escritora para vários veículos de informação da cidade, além de jornalista freelancer, quando chegou a vender artigos para revistas famosas como Cue e Vogue.
Foi através de um conteúdo para a revista Iron Age, na qual escreveu sobre o enfraquecimento econômico na sua cidade natal, Scranton, que Jane Jacobs percebeu o quão poderosa poderia ser sua voz, e foi o início da sua carreira como ativista.
Tal matéria foi tão repercutida que impulsionou a implantação de uma fábrica de aviões na cidade, além de impulsionar a autora para organizar uma petição para a Comissão de Produção de Guerra americana, pedindo apoio das operações na pequena cidade.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Jane Jacobs aproximou-se de órgãos públicos dos Estados Unidos, tornando-se articulista no Escritório de Informação de Guerra, agência governamental e importante veículo de informação no país, e mais tarde para o Amerika, publicação do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Foi neste contexto que conheceu seu futuro marido.
Em 1944, Jane Jacobs casou-se com o arquiteto Robert Hyde Jacobs Jr. Formado na mesma universidade que a esposa, juntos seguiram morando no bairro Greenwich Village, onde formaram uma família, composta por dois filhos e uma filha. O interesse de Jane pelo tema urbano reforçou-se ainda mais ao compartilhar a vida com um arquiteto.
Durante a década de 1950, Jane Jacobs recebeu o convite da revista Architectural Forum, para trabalhar como redatora e editora, na qual publicou artigos como críticas às tendências urbanísticas de Nova Iorque.
Em 1961, publica o livro Morte e Vida de Grandes Cidades, obra célebre até os dias de hoje, que segue sendo vendida e lida por estudantes de arquitetura, urbanistas, pesquisadores e interessados pelo tema.
Sua participação também foi ativa na cidade, tanto dentro de importantes instituições, através de conferências nas Universidades da Pensilvânia e de Harvard, como também nas ruas, lutando pela preservação dos bairros, com ênfase na importância de bons espaços públicos na cidade.
Sua voz foi se mostrando cada vez mais relevante na sociedade americana, a partir de manifestações nas ruas para impedir a construção de um viaduto que destruiria uma praça no bairro onde morava, e sempre defendeu Greenwich Village, conseguindo arquivar o projeto, por exemplo.
Tal postura ativista-feminina, ao mesmo tempo que de extrema importância para mostrar o papel das mulheres na sociedade, infelizmente não era bem-vista por todos, levando-a às críticas e à prisão, por duas vezes.
Em 1968, Jane Jacobs e sua família se mudaram para o Canadá para impedir que seus filhos fossem recrutados para a Guerra do Vietnã. No país vizinho, ela continuou com o ativismo em prol da preservação das cidades.
Jane Jacobs faleceu em Toronto, no Canadá, no dia 25 de abril de 2006, mas sua visão e sua obra seguem vivas e sendo refletidas nas cidades contemporâneas.
O urbanismo e a arquitetura modernista
Para entender a postura e a obra de Jane Jacobs, é essencial estar a par do contexto político, social e arquitetônico da época, na qual o mundo passou pela Revolução Industrial, por crises econômicas e pela Segunda Guerra Mundial, por exemplo, levando a mudanças circunstanciais na maneira de ver o mundo, a sociedade e as cidades.
A primeira metade do século XX, no hemisfério norte, foi marcada pela arquitetura modernista, que chegaria ao Brasil na década de 1960. Tal movimento era influenciado pelos avanços tecnológicos e construtivos, assim como pelo crescimento das cidades, tendo como base um pensamento puramente racionalista e funcional.
Como resultado, a arquitetura modernista, distante da tradição, do local, do artesanal e do humano como emocional, buscava formas de construir em larga escala, através de edifícios que tinham pouca ou nenhuma relação com o lugar onde eram materializados, tal como um projeto abstrato que era colocado em diferentes contextos, como formas de resolver um problema maior, o da habitação.
Urbanisticamente falando, o modernismo não colocava olhos e atenção na cidade preexistente, sendo capaz de demolir a história para construir algo novo, que nada pertencia àquele lugar. O resultado eram largas avenidas que deixavam sem frente casas antigas, longos viadutos que atravessavam a cidade em eixos sobrepostos à malha existente, destruindo edifícios, praças e a vida de bairros.
O planejamento urbano modernista tinha como visão o ser humano como máquina, que deveria desempenhar funções objetivas durante o dia; e a cidade, como cenário para isso, deveria ser o mais funcional e prática possível. Conceito que se vê claramente traduzido nos projetos de Le Corbusier.
A visão de Jane Jacobs
Tal avanço do Modernismo em cidades norte-americanas, materializado através de enormes conjuntos habitacionais em terrenos subutilizados, surgimento dos subúrbios e a desvalorização de bairros históricos era algo que desconfortava Jane Jacobs, que via tal situação acontecer enquanto a cidade se direcionava a uma decadência profunda.
E este foi o cenário no qual desenvolveu o emblemático livro Morte e Vida de Grandes Cidades, o qual mostrou a degradação da cidade como um todo, tanto do centro histórico como também dos bairros que eram recém-construídos. Jane colocava o problema moderno em questão comparando com bairros tradicionais, de menor escala, onde o local era o principal. Lugares de convivência entre habitação e comércio, e ruas com vida.
Mostrou que esse exemplo de vida cotidiana de uma cidade é possível quando há certa heterogenia de usos do solo, convivência de funções diferentes, lado a lado. Caminho oposto ao pensamento modernista, o qual o fracasso do conceito já se via pelas ruas de diversas cidades americanas.
Olhos para a rua
Certamente você, ao caminhar pela cidade que mora ou visitou, se sentiu seguro ao andar por certas ruas, assim como medo ao virar uma esquina em uma via diferente. Você já parou para pensar o que havia em tais caminhos, que provocaram sentimentos tão opostos?
Você escolheria andar por uma rua com extenso muro ou gradil, calçadas estreitas e pouca iluminação, ou uma com comércios e fluxo de pessoas? Assim a resposta parece óbvia, porém, durante muito tempo, e até mesmo hoje, em várias zonas da cidade, não é isso que é feito.
Jane Jacobs traz à tona o conceito de olhos para a rua, criando o de balé das ruas, vias onde a vida se faz querer habitar, passar, usufruir, caminhos onde o comércio convive com o habitacional, onde o espaço público é generoso; uma cidade que ampara o encontro e valoriza o ser humano como ser emocional.
Para Jane Jacobs, a fórmula para a cidade ideal é a que se possa nutrir de vida no espaço público constantemente, e isso é possível a partir da diversidade, de usos do solo, de escalas, de classes. Através do conceito da heterogeneidade urbana à escala de bairro, que a ativista acreditava que estava a garantia de ruas e espaços interessantes o suficiente para enchê-los.
Ela também defende o quão importante é estar na rua para o ser humano e para a cidade, pois faz com que ela cresça de maneira saudável, que o espaço público seja cuidado, que o comércio floresça, e que a cidade seja mais segura. Ruas com olhos são ruas seguras, com pessoas a zelar umas pelas outras.
O conceito de Jane Jacobs hoje em dia
Pois é, apesar de o mundo ter mudado bastante entre a década de 1960 e agora, a visão de Jane Jacobs sobre a cidade ideal continua mais viva do que nunca. Com cidades transformadas e metrópoles de milhares de habitantes, fica ainda mais difícil manter a tradição, o local e a escala de bairro, mas não é impossível.
Valorizar a rua e o espaço público para manter a cidade saudável e segura é essencial, e para isso os planos diretores e as normativas urbanísticas têm papel fundamental.
Felizmente, a cidade de São Paulo vem apresentando um plano bastante a par de alguns conceitos de Jane Jacobs, por exemplo o da fachada ativa, aspecto que está em alta, valorizando ruas e presente em muitos lançamentos imobiliários.
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