Estilos arquitetônicos: Desconstrutivismo

Estilos arquitetônicos: Desconstrutivismo
Carolina Scordamaglio

Por Carolina Scordamaglio

29 setembro 2021

Nascido em berço filosófico com o DNA do Construtivismo russo e as influências do Cubismo e do Futurismo, o Desconstrutivismo é rejeitado por muitos teóricos como movimento ou estilo arquitetônico. Independentemente do título a ele atribuído, é impossível negar sua importância e sua influência nas maiores obras da contemporaneidade. O avanço tecnológico e o surgimento de novas ferramentas computacionais apontam para um horizonte cada vez mais amplo em possibilidades de expressão de naturezas artística, simbólica, questionadora e desafiadora da arquitetura.

Surgimento: arquitetura e filosofia

Em vários momentos da história a arquitetura foi buscar na filosofia base para suas investigações espaço-temporais. Entre as décadas de 60 e 80, Peter Eisenman, arquiteto americano pioneiro do Desconstrutivismo, vê sua obra ser fortemente influenciada pelo movimento literário liderado por seu amigo Jacques Derrida. A base desse movimento, batizado de Desconstrução, era a chamada metafísica da presença, que refletia a dialética da presença e da ausência, sólido e vazio, construção e desconstrução.

“A verdadeira condição da Desconstrução talvez esteja a trabalhar dentro do ‘trabalho’, entre o sistema que irá ser desconstruído, poderá já estar localizado aí a trabalhar. Não no centro mas num excêntrico centro, num canto cuja excentricidade garante a concentração do sistema, participando na construção do objeto que ameaça desconstruir ao mesmo tempo. – Jacques Derrida, Documentário Derrida, 2002, Kirby Dick.

A Desconstrução foi, muitas vezes, alvo de críticas e controvérsias. Quando Derrida recebeu o título honorário de Cambridge, em 1992, enfrentou protestos de muitos teóricos clássicos que não reconheciam sua abordagem filosófica. Segundo Derrida, essa era a essência do movimento desconstrutivista: não neutralizar o que não é natural, não assumir como natural o que é condicionado pela história, pelas instituições ou pela sociedade. 

Em 1982, o projeto do suíço Bernard Tschumi é o vencedor entre 470 concorrentes no concurso para a construção do Parc de La Villette, um antigo matadouro que seria transformado em parque público em Paris, com um projeto fortemente embasado nas ideias desconstrutivistas.

Tschumi venceu com um projeto que evocava o sentimento de liberdade dos usuários, interação e exploração. O Parque é desenhado com base em três princípios de organização: pontos, linhas e superfícies. Na área de 135 hectares, o parque é implantado através de uma grelha formada por 35 pontos que Tschumi chama de “folie”.

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Parc de La Villette. Fonte: Arch Hist Daily.

Os folies são construções multifuncionais que não apenas servem como referência organizacional e dimensional do espaço, mas chamam à interação e à descoberta. Apenas recentemente alguns folies foram ocupados por atividades fixas como restaurante e escritório. Suas formas únicas e criativas convidavam à imaginação e à exploração do uso livre.

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Folie. Fonte: La Villette.

Escritos tardios de Bernard Tschumi denunciavam sua intenção de se distanciar do forte ideal modernista que permeava o cenário acadêmico quando ainda era um jovem estudante. Pontos, linhas e superfícies do Parc de La Villette não possuem nenhum sentido além do que o usuário lhes dá. É possível perceber no projeto a constante busca do autor em expor os limites da arquitetura. O próprio Jacques Derrida foi consultado nas várias etapas de conceituação da proposta e, segundo o filósofo, o conceito era uma manifestação do verdadeiro espírito de desconstrução na arquitetura. Até hoje, o Parc de La Villette é um dos maiores ícones do Desconstrutivismo.

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Parc de La Villette. Fonte: Paris Info.

Deconstructivist Architecture, 1988, NY

A exposição Deconstructivist Architecture de 1988 no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova Iorque, chancela e dá nome à tendência que ganhava cada vez mais força. Apesar das diferentes origens e métodos projetuais dos sete arquitetos expostos, todas as obras apresentavam a mesma “perfeição violada”, como foi chamado na época, celebrando o irregular e o instável. Os nomes expostos seguem até hoje como uns dos principais nomes da arquitetura contemporânea: Daniel Libeskind, Frank Gehry, Rem Koolhaas, Peter Eisenman, Zaha Hadid, Bernard Tschumi e o escritório Coop Himmelblau.

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Detalhes da exposição no MoMA em 1988. Fonte: MoMA.

Os projetos expostos de Frank Gehry, ambos de residências familiares, incluindo a sua própria, refletem os ideais desconstrutivistas ao partir de uma estrutura clássica, convencional, que vê seus limites rompidos por novos eixos e volumes geométricos.

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Residência familiar de Frank Gehry, Santa Mônica. Fonte: Arquitectura Viva.

The Peak, clube em Hong Kong projetado por Zaha Hadid, propunha planos horizontais distintos com ambientes subterrâneos escavados em uma montanha de granito polido pelo homem e “vazios flutuantes” como a própria arquiteta descreve, onde os usuários exerceriam as atividades dentro de uma geologia única.

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The Peak, Zaha Hadid. Fonte: Zaha Hadid.

Um ano antes da queda do muro de Berlim, Daniel Libeskind projetou o Berlin City Edge, também exposto no Deconstructivist Architecture através de dois modelos na escala 1:100 e quatro imagens geradas por computador. O projeto se tratava da revitalização do bairro Tiergarten na Berlim ocidental, que sofrera graves danos durante a guerra. Libeskind traça um horizonte de 450 metros, e um edifício que se estende pelo local. No modelo, o arquiteto ilustra as feridas do local através de textos, citações e documentos fotográficos.

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Berlin City Edge, Daniel Libeskind. Fonte: FRAC.

Apesar de quase todos os arquitetos expositores acabarem com o tempo se distanciando do título de arquiteto desconstrutivista, a exposição marcou a história da arquitetura ao apresentar ao mundo a tendência que influenciaria as próximas décadas e que permanece até os dias atuais.

Pós-modernismo x Desconstrutivismo

A exposição no MoMA também reforçou o distanciamento do Desconstrutivismo do Pós-modernismo, movimento contemporâneo. Apesar de ambos surgirem como reação à rigorosa filosofia de funcionalismo e racionalismo da arquitetura moderna, que dominou entre as décadas de 1920 e 1950, há elementos essenciais que separam as duas vertentes. No periódico Opposition, de 1966, Robert Venturi já lista quais são elas. Enquanto o Pós-modernismo faz uso do ornamento para romper a rigidez do Modernismo, o Desconstrutivismo utiliza, para isso, elementos geométricos. Se o Pós-modernismo mantém o funcionalismo, o Desconstrutivismo subverte os aspectos funcionais. 

Em seu livro Delirious New York, 1978, Rem Koolhaas sugere um método de concepção arquitetônica chamado cross-programming, que introduz funções inesperadas no programa dos espaços, como pistas de corrida em arranha-céus. Essa ideia já havia sido explorada por Leonidov do Construtivismo russo, pai do Desconstrutivismo. Em 2003, Koolhaas fracassou ao tentar implementar unidades hospitalares para sem abrigos em seu projeto para a biblioteca pública de Seattle.

Por não possuir um conjunto de regras claras, o Desconstrutivismo nem mesmo é considerado um movimento por alguns teóricos. Costuma ser mais aceito como uma tendência, uma provocação, uma incitação à liberdade arquitetônica.

Influências: Construtivismo russo

O Construtivismo russo foi um movimento artístico iniciado em 1913 que procurou romper com a tradicional produção artística orientada pela estética e introduzir volume, colagens, tridimensionalismo e construções sofisticadas com materiais modernos e tecnológicos. Esse movimento de vanguarda, fortemente relacionado com o contexto político da União Soviética, teve raízes no Cubismo e no Futurismo, e suas ideias inovadoras se tornaram a base da arte e do design modernos.

Entender a obra de arte como uma construção, e não mais como uma mera representação, é uma das principais características do Construtivismo russo, o que evidencia sua relação e sua influência na arquitetura construtivista e também desconstrutivista, décadas mais tarde.

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1: Pintura The Man, El Lissitzky, 1923. Fonte:Tate / 2: Projeto The Peak, Zaha Hadid, 1982. Fonte: Zaha Hadid.
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Monumento à terceira internacional, Vladimir Tatlin, 1919. Fonte: História das Artes.

Naquela época, coube à arquitetura responder às demandas da revolução, e, através de massa, volume, materiais, estrutura e organização espacial, os arquitetos construtivistas provaram que podiam influenciar ativamente um movimento social. Deste período, três arquitetos se destacaram como maiores influenciadores do Desconstrutivismo: Chernikov, Leonidov e Lissitzky. Conta a história que em uma época em que havia pouco desse trabalho publicado, Rem Koolhaas viajou pessoalmente para a União Soviética atrás de desenhos de Ivan Leonidov. Os desenhos retirados do apartamento do seu filho em Moscovo teriam sido publicados posteriormente em Londres.

Arquitetura desconstrutivista pelo mundo

Museu Guggenheim de Bilbao

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Museu de Guggenheim. Fonte: Guggenheim Bilbao.

O projeto do Museu de Guggenheim foi encomendado à Frank Gehry com o objetivo de renovar e modernizar a cidade portuária industrial de Bilbao. Logo após sua inauguração, em 1997, a obra se tornou um enorme sucesso entre os turistas, impulsionando a economia da cidade. Até hoje o impacto de construções arquitetônicas significativas em uma cidade é chamado de “Efeito Bilbao”.

O edifício que margeia o Rio Nervión, visto do solo, se assemelha a um navio, o que remete ao passado portuário da cidade. Suas curvas, embora pareçam aleatórias, são feitas para captar a luz do sol. Construída em titânio, calcário e vidro, a incrível textura da fachada, apesar de sólida, reflete a luz com um movimento muito semelhante às águas do rio, graças a clipes de fixação que causam uma leve deformação nas placas de titânio. 

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Museu de Guggenheim. Fonte: Guggenheim Bilbao.

Um generoso e iluminado átrio organiza os 11 mil metros quadrados de espaço de exposições em 19 galerias. A maior delas possui 130 de largura e abriga uma exposição permanente do artista Richard Serra chamada The Matter of Time.

Sede CCTV

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Sede da CCTV. Fonte: OMA.

Com projeto assinado e liderado pelo escritório OMA, a sede da China Central Television foi inaugurada em 2012, depois de oito anos do início de sua construção.

A sua forma desafiadora une dois edifícios através de uma estrutura em balanço de 75 metros. As forças que atuam na estrutura são visíveis na fachada: ora mais espessas, ora mais suaves, dependendo da necessidade. Para atender às demandas atuais de sustentabilidade, toda a fachada de vidro é coberta por uma película que filtra 70% dos raios solares, de modo a reduzir a utilização de resfriamento artificial. 

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Sede da CCTV. Fonte: OMA.

A união dos dois edifícios facilita o fluxo das diversas atividades exercidas na emissora, que é aberta para visitação do público. O edifício é visto de diversas perspectivas da cidade. Às vezes grande, às vezes pequeno, de alguns ângulos forte, de outros suave.

Centro Heydar Aliyev, Zaha Hadid

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Centro Heydar Aliyev. Fonte: Zaha Hadid.

Através de um concurso em 2007, o escritório de Zaha Hadid foi o escolhido para assinar o Centro de Heydar Aliyev, edifício que abrigaria os principais programas culturais do Azerbaijão. Desde sua independência, em 1991, o país investe em modernização e desenvolvimento a partir do legado do Modernismo soviético.

Em seu projeto, Zaha Hadid procurou expressar o otimismo de um povo que olha para o futuro. A geometria fluida, orgânica, de superfície homogênea, abraça, convida e direciona o público, que acessa o edifício através de uma grande praça pública que circunda o edifício.

A estrutura do edifício combina dois sistemas: uma estrutura de concreto e um sistema de treliças espaciais. Para que o público experimente os espaços internos com mais fluidez, os volumes verticais são sustentados por uma cortina de concreto e o chamado sistema de envelope.

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Centro Heydar Aliyev. Fonte: Zaha Hadid.

Estádio Nacional de Pequim, Bird’s Nest, Herzog and de Meuron e Li Xinggang

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Estádio Nacional de Pequim. Fonte: Arquitectura Viva.

O Bird ‘s Nest foi projetado para as olimpíadas de 2008 e desde então se tornou um famoso ponto turístico em Pequim. Inicialmente o estádio foi projetado para 100 mil pessoas, mas restrições projetuais reduziram os lugares a 80 mil. A estrutura de metal, que configura a aparência de ninho, passa a impressão de leveza e fluidez, apesar dos seus 69 metros de altura, 333 de comprimento e 42 mil toneladas de aço. Foram utilizadas complexas técnicas computacionais para posicionar cada uma das arestas.

Painéis translúcidos (ETFE) foram escolhidos com o propósito de proteger o público de intempéries e melhorar a acústica do local. O peso leve reduz em muito a carga a ser suportada pela estrutura. Além disso, os painéis limpam-se automaticamente, reduzindo o custo de manutenção. Iluminação e ventilação ficam por conta de frestas na fachada. Sua inovação não se limita ao design: no que diz respeito à estrutura, o estádio de Pequim pode ser desmontado e montado a qualquer altura. 

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Estádio Nacional de Pequim. Fonte: Arquitectura Viva.
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Carolina Scordamaglio
Conteúdo criado por:Carolina Scordamaglio
Arquiteta, pós graduada em Negócios Imobiliários, apaixonada por comunicação e por tudo que envolva o verbo morar.

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