Lady Bird – A Hora de Voar e os sonhos que não se limitam aos territórios
Por Giovana Costa
12 novembro 2020
Greta Gerwig, atriz, roteirista e diretora norte-americana, tornou-se a quinta mulher na história do Oscar a ser indicada ao prêmio de Melhor Direção, em 2018, por Lady Bird – A Hora de Voar, lançado no ano anterior.
A diretora decidiu gravar a história em Sacramento (CA) por ser sua cidade natal e também porque, segundo ela, sua ideia era gravá-la de uma maneira amorosa.
“Eu acredito que, quanto mais específica [a história], mais universal a coisa fica e como se trata dessa questão interna de como você não consegue entender o quanto você ama a sua casa até deixá-la, eu acredito que todo mundo iria pensar sobre suas próprias cidades de origem e sua geografia tão própria, sua infância e como se relacionam com isso sendo adultos…”, afirma Greta.
Lady Bird – A Hora de Voar é um filme sobre amadurecimento, sobre o voo para fora do ninho, a relação entre mãe e filha e, de certa forma, também sobre a territorialidade dos sonhos.
Mas não se engane, pois não existem romantizações sobre nenhum desses temas, inclusive talvez esta seja a magia do longa que, de tão real, consegue fazer com que todos nós nos identifiquemos com ele de alguma maneira.
Em outras palavras, mais especificamente nas palavras da própria diretora: “…é muito divertido, mas também fará você chorar e ligar para sua mãe”.
O sonho em Nova York
A história trata da jornada de crescimento e de busca pela liberdade de uma jovem imperfeita e imatura, mas também muito autêntica, destemida e determinada, Christine McPherson – nome de batismo da protagonista, que se autointitula Lady Bird.
Desde os primeiros minutos de filme é possível entender que ela possui grandes sonhos e nenhum deles inclui dar continuidade à sua vida pós-Ensino Médio na pequena cidade de Sacramento, na Califórnia, onde ela vive com Miguel, seu irmão mais velho, Larry, seu pai, e Marion, sua mãe, com quem tem muitas divergências.
Dentre essas divergências, além das opiniões contrárias, estão justamente as decisões de escolha em relação ao futuro de Lady Bird, após terminar os estudos no colégio de freiras e partir para a faculdade.
Em uma das cenas mais marcantes do filme, a discussão entre as duas começa dentro do carro.
Após dividirem um momento de emoção, ao escutar o audiolivro The Grapes of Wrath (1939), de John Steinbeck, elas divergem sobre escutar músicas no rádio após tal momento de sensibilidade. A partir disso, a discussão é direcionada para o futuro de Lady Bird.
Lady Bird: – Eu gostaria de poder viver alguma coisa.
Marion: – E você não vive?
Lady Bird: – Não. A única coisa emocionante sobre 2002 é que é um palíndromo.
Marion: – Ok, tudo bem, a sua é a pior vida de todas, você ganhou.
[…]
Lady Bird: – Eu nem quero ir para a escola neste estado de qualquer maneira, eu odeio a Califórnia. Eu quero ir para a costa leste.
Marion: – Seu pai e eu mal seremos capazes de pagar as mensalidades estaduais.
[…]
Lady Bird: – …eu quero ir onde a cultura está, como Nova York… Ou pelo menos Connecticut ou Nova Hampshire. Onde os escritores moram na floresta.
Marion: – Você não poderia entrar nessas universidades de qualquer forma.
Lady Bird: – Mãe!
Marion: – Você não consegue nem passar pelo seu exame de direção.
Lady Bird: – Porque você não me deixou praticar o suficiente!
[…]
A discussão estende-se até o final da cena, que, de tão dramática, chega a ser cômica.
E é justamente a cidade de Sacramento que consegue evocar diversos sentimentos em ambas. A maioria deles pode ser facilmente percebida durante os momentos em que Marion e Lady Bird dirigem, sozinhas, em diferentes momentos do filme, contemplando a paisagem da cidade, principalmente ao atravessar a ponte elevatória Tower Bridge, sobre o rio Sacramento.
Também é notável como a relação de Lady Bird com Sacramento a machuca, mas também é capaz de ajudá-la a crescer, exatamente como as discussões acaloradas que ela tem com a mãe.
A teimosia de Lady Bird pode até se parecer com a birra de uma menina burguesa mimada e reclamona, mas, na verdade, nada mais é do que a maneira extravagante que ela encontra de externar suas emoções e frustrações em relação à pequenez com a qual enxerga a cidade onde vive, nas condições em que vive.
Seu pai enfrenta o desemprego, e é a sua mãe, que trabalha como enfermeira e enfrenta longas e exaustivas jornadas de trabalho, e o irmão mais velho, que trabalha em um caixa de supermercado, que sustentam a família e arcam com as despesas da casa.
Sua aversão à cidade é tamanha que pode ser percebida também na forma como ela apelida “carinhosamente” a localização de sua casa: “o lado errado dos trilhos”.
Lady Bird e um amadurecimento doloroso
Em mais uma cena marcante, Lady Bird vê uma casa enorme, com um quintal espaçoso e verdejante. Ela a observa com atenção e deslumbre, assim como enxerga seus ambiciosos sonhos na cidade de Nova York.
A mesma casa aparece em outras cenas do filme. Como quando ela descobre, por exemplo, que a casa na qual desejava morar é a casa da avó de seu namorado, onde foi comemorar o feriado de Ação de Graças, e quando ela mente à mais nova amiga, Jenna Walton, a garota mais popular do colégio, dizendo que é ali onde ela mora, numa tentativa de impressionar a amiga rica.
Todas essas situações expressam não somente sua aversão à cidade, como também sua dificuldade de lidar com os seus sonhos de uma maneira mais realista.
Quantas vezes não nos frustramos pensando no que poderia ser caso estivéssemos em outro lugar? E isso não pensando somente no tempo, mas no espaço.
São Paulo, por exemplo, é vista como a cidade das possibilidades e a “terra das oportunidades” tanto por seus recursos como por sua economia. Mas, na verdade, nem mesmo as pessoas que moram aqui são totalmente satisfeitas com tudo o que a cidade oferece.
Seja pelo complexo de vira-lata que assola parte dos brasileiros, pela falta de autoconhecimento ou simplesmente por causa de uma perspectiva mais ilusória, há quem diga que seria melhor até mesmo morar em outro país.
Mas será que, realmente, não há nada de interessante? Não existem maneiras de buscar um olhar mais atento para a cidade? Será que realmente não é suficiente?
No filme, Lady Bird encontra essas respostas depois de suas primeiras experiências na faculdade em Nova York. Ela atinge a liberdade que sempre sonhou, mas se choca com os desafios da vida adulta e a solidão de lidar com seu sonho num lugar totalmente desconhecido. Ela enxerga como superestimou a territorialidade dos seus sonhos.
Entre os sacrifícios constantes que os pais fazem pelos filhos, as dificuldades de enfrentar a maturidade e a imprevisibilidade das relações familiares, o longa traz diversos questionamentos, como as adversidades que encontramos ao lidar com os nossos sonhos por causa do olhar (e do possível julgamento) do outro.
E não se trata de limitar ou diminuir os sonhos, mas de compreender a realidade de maneira mais transparente, isto é, observá-la sem os filtros sociais.
Assim como Lady Bird não precisava mentir para a amiga sobre a casa em que morava, você também não precisa apressar seus sonhos e mudar rapidamente de cidade para ser feliz simplesmente porque se sente pressionado(a) para começar seu futuro.
Em outra perspectiva, talvez seja possível diminuir as comparações, tentar ser mais real e buscar menos a perfeição ilusória, com a qual lidamos o tempo todo nas redes sociais, por exemplo. Afinal, a grama do vizinho pode parecer mais verde, mas são as suas raízes que realmente importam.
É no exercício de olhar para si próprio(a) e para as nossas origens que está a beleza de atingir nossos sonhos.
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