Jan Gehl – Biografia e obras
Por Beatriz Dilascio
24 dezembro 2021
Jan Gehl é um arquiteto e urbanista dinamarquês e consultor de design urbano, que construiu a sua carreira baseada no princípio da melhoria da qualidade de vida urbana por meio da reorientação do planejamento das cidades favorecendo os pedestres e ciclistas.
Com mais de 50 anos de carreira, Jan Gehl tem projetos em várias cidades pelo mundo, inclusive no Brasil. Por toda sua trajetória e seus ideais, Jean se tornou um dos urbanistas mais respeitados do mundo.
A trajetória de Jan Gehl
O arquiteto e urbanista nasceu no ano de 1936 na cidade de Copenhague, na Dinamarca. Jan se formou na Real Academia de Belas Artes de Copenhague no ano de 1960. No ano de 1962, o arquiteto passou a observar a Rua Stroget, considerada o centro de Copenhague, que é uma via que havia sido recém-inaugurada. Nela, ele analisava como as pessoas usavam aquele espaço em situações variadas.
E foi em 1965 que Jan Gehl aconselhou a cidade de Copenhague a realizar a criação da maior zona pedonal da Europa, que é justamente a Stroget. Isso contribuiu muito para que, hoje, a cidade seja considerada um modelo de transformação e uma das cidades mais amigáveis para as pessoas, centrada no tráfego rodoviário voltado para o pedestre.
Em 1966, ele recebeu uma bolsa de pesquisa da mesma instituição para realizar estudos sobre a forma e o uso dos espaços públicos, ou seja, a mobilidade urbana.
Desde então, Gehl começou a lecionar na universidade em que estudou e ficou lá por muitos anos; além disso, foi professor visitante no Canadá, Estados Unidos, México, Nova Zelândia, Bélgica, Austrália, Polônia, Noruega e Alemanha.
Gehl pensava que o planejamento urbano deveria priorizar pedestres, ciclistas e a ocupação dos espaços públicos, bem como que o planejamento urbano realizado pelas cidades nos últimos 50 anos não cumpria essas prioridades, visto que as pessoas passavam a maior parte do tempo sentadas em seus trabalhos, transportes públicos e seus carros.
Além disso, o arquiteto e urbanista também defendia medidas ousadas. Por criticar o aumento do uso de automóveis, ele dizia que deveria haver o aumento do combustível para que assim houvesse a diminuição do uso de veículos.
Gehl, com sua esposa, que era psicóloga, estudou a fronteira entre a psicologia, a sociologia, a arquitetura e o planejamento, para que pudessem atender o lado humano da arquitetura e do urbanismo, conciliado com uma abordagem mais sensível para melhorar a forma urbana.
Segundo Gehl, os pedestres e a vida urbana estão intimamente ligados e defende também que as pessoas devem vivenciar a cidade a pé. Todos esses estudos realizados com sua esposa resultaram no livro Livet mellen husene, que significa “Vida entre edifícios”, em 1971.
Gehl Architects
Em 2000, Gehl fundou com a designer urbana Helle Soholt a empresa Gehl Architects, na qual eram realizadas consultorias a fim de humanizar os espaços públicos, com trânsito compartilhado, ciclovias e a revitalização dos centros, proporcionando melhor qualidade de vida urbana.
Foi em 2004 que o escritório teve o seu primeiro marco, tornando-se global. Isso ocorreu, pois a Transport of London and Central London Partnership contratou a Gehl Architects para realizar o estudo sobre os espaços e a vida pública de Londres, e como seria a primeira vez que a análise seria feita em uma megacidade, eles tiveram que desenvolver novas ferramentas para abranger a aglomeração urbana em uma grande escala.
Em 2011, o arquiteto escocês David Sim torna-se sócio do escritório como Diretor de Criação e marca o início de uma nova fase em direção a uma equipe cada vez mais internacional.
A Gehl Architects se tornou um dos escritórios mais requisitados do mundo e executou projetos para grandes cidades como Nova York, São Francisco, Sydney, Melbourne, Istambul, Moscou, Cidade do México e até cidades brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro.
No ano de 2013, eles se juntaram a mais cinco novos sócios, marcando uma nova mudança de geração do escritório. Nesse mesmo ano, a Gehl Architects recebeu o maior prêmio de arquitetura da Escandinávia, o Prêmio de Arquitetura Nykredit, por mais de 10 anos de trabalho relacionado às áreas de espaço público e vida pública.
Em 2020, foi comemorado os 20 anos do escritório dedicado a desenvolver uma abordagem em escala humana priorizando as pessoas e oferecendo diversas estratégias urbanas e serviços de design, baseados em dados urbanos e na percepção do comportamento das pessoas no espaço.
Cidade Para Pessoas
O livro escrito por Jan Gehl é uma espécie de protesto sobre os ideais de planejamento urbano que existiam na segunda metade do século XX e que passaram a se desenvolver ao passar do tempo.
Suas fontes de pesquisa para realização desse livro foram realizadas ao longo de sua formação como arquiteto, o que ajudou Gehl a desenvolver planejamentos, análises e observações em geral, como vimos anteriormente.
Nele, Gehl se diz oposto ao ideal da época que dizia não ser possível colocar lado a lado as residências, os transportes públicos, os locais de trabalho e os espaços de convivência.
Ainda nomeou essa separação dos espaços urbanos que ocorria de “Síndrome de Brasília”, pois dizia que a cidade projetada por Oscar Niemeyer era exatamente o maior exemplo desse mau fenômeno.
Ainda diz que os construtores não pensaram nas pessoas nas ruas entre os prédios, apenas fizeram alguns prédios e nos espaços que sobraram entre eles chamaram alguns paisagistas para fazerem jardinagem. Porém, as cidades devem, sim, ser feitas para as pessoas, e cita como exemplo a cidade de Nova York, que possui ótimas condições para as pessoas.
Nesse contexto, Jan Gehl é considerado um crítico da arquitetura moderna, visto que ele considerava que o movimento descartou as características que tinham as cidades antigas, as quais favoreciam a qualidade de vida de seus moradores.
Ele termina seu livro citando a importância do que se passa na rua, sendo determinante para a vida humana, pois nos coloca em contato com o próximo, muito diferente do que acontece quando temos prédios cada vez mais altos.
Com isso, podemos perceber que o livro Cidade Para Pessoas de Gehl aborda de maneira profunda e ilustrada questões de extrema importância, para que haja uma maior qualidade de vida nas cidades, refletida na escala dos espaços, nas soluções de mobilidade, na valorização dos espaços públicos e na segurança das áreas urbanas, aprendendo tudo ao nível do observador.
Obras de consultoria da Gehl Architects
Desde sua fundação, a empresa Gehl Architects deu consultorias e cursos para o governo de várias metrópoles e, a partir disso, foram feitas diversas intervenções que contribuíram muito para a melhoria dos bairros.
Thrive Zones – Londres, Reino Unido
A partir de uma grande problemática, em que houve mais de 9.000 mortes de londrinos devido à contribuição da poluição, Gehl gerenciou e pilotou o projeto Thrives Zones, que reduz a exposição das pessoas à má qualidade do ar.
Após a realização de um piloto bem-sucedido do Thrives Zones na cidade de Copenhague, Gehl foi encarregado de criar estratégias urbanas para conter a qualidade do ar em Vauxhall.
Dessa forma, o urbanista facilitou a pesquisa espacial do projeto, a coleta de dados, o design de conceito, a pilotagem e o engajamento público. Tudo isso foi realizado com ajuda de camadas de dados para identificar as áreas onde as pessoas estão mais expostas à poluição do ar em seu dia a dia.
Utilizando-se de todas essas informações, foi criada uma estratégia Thrive Zone e designs de ruas para um ar mais limpo. Essas estratégias foram testadas em uma abordagem de medir, testar e refinar.
Com tudo isso, Vauxhall terá mudanças modais para uma vida pública sem poluição, por exemplo com menos tráfego de automóveis, eletrificação do sistema de ônibus e maior disponibilidade de pontos de carregamento elétrico para carros. Assim, a cidade tem a possibilidade de ser um dos centros mais saudáveis de Londres.
Paisagem alimentar – Houston, Texas
Em Houston, o acesso a alimentos saudáveis é muito limitado, e isso se dá pela forma urbana e pelas experiências dos pedestres. Um dado que assusta é que 32% da população adulta vive com diabetes, em Houston.
Com a predominância dos estacionamentos e a insegurança dos pedestres, forma-se uma paisagem alimentar obesogênica, tornando-se muito difícil as pessoas terem acesso a alimentos e um estilo de vida mais saudável.
Visto isso, Gehl realizou um estudo sobre paisagens alimentares, desenvolveu estratégias e intervenções para a Hope Clinic para melhorar o acesso a alimentos saudáveis para as pessoas.
Gehl pensou em um redesenho do espaço público, transformando o estacionamento em um parque centralizado por meio do design e da programação de espaço público. Além de unir as comodidades, esse conceito também reduz o número de viagens de carro e cria a oportunidade de conectar a comunidade, compartilhando refeições.
O projeto chama “Alief Night Market”, que seria um destino culinário; nele, o mercado convida os vendedores de comida a irem para a rua, tornando visíveis as opções nutritivas e variações de comidas. Dessa forma, mudaria os hábitos alimentares da comunidade que é, em sua maioria, fast-food.
Melhoria da acessibilidade – Hamburgo, Alemanha
Em Hamburgo, existem vários parques verdes, entre eles o Alter Elbpark e o Planten un Blomen, os quais conectam as amenidades de água da cidade. Esses dois parques formam um corredor vivo que ficou conhecido como o pulmão da cidade.
Eles são separados por uma das vias mais importantes da cidade, que possui oito faixas com um fluxo intenso de automóveis e de pessoas caminhando e pedalando pela rua.
Ao mesmo tempo em que a cidade queria melhores opções para a travessia a pé e de bicicleta, não queria reduzir a capacidade de carros. Para isso, eles tentaram resolver com um design conceitual, porém nada deu certo e eles convidaram Jan Gehl para essa missão.
Gehl então foi convidado para levar uma abordagem mais popular, em que a estrada principal cruza as áreas verdes. Para que isso aconteça, eles começaram a observar as atividades de permanência de pessoas caminhando e pedalando, o fluxo de carros e a sinalização.
Contudo, ele percebeu que a estrada possui um grande fluxo contínuo de carros dentro e fora do centro da cidade e que há uma presença de pedestres significativa, em que há um maior número nos finais de semana e à tarde nos dias de semana.
Já em relação às bicicletas, elas possuem um pico no horário da manhã e da tarde, dessa forma foi comprovado que o local fazia parte de um corredor importante para os ciclistas.
A partir dessas descobertas, foram apresentadas três opções para melhorar os cruzamentos para as pessoas que estão a pé e de bicicleta, sem ou com poucas consequências para a capacidade dos veículos. As opções dadas foram: otimizar a experiência de travessia; criar um novo cruzamento e, por último, criar um declive verde através de um túnel.
Com as intervenções conceituais propostas, o distrito da cidade está revisando todos os projetos antes de financiá-lo e está elaborando um plano de ação. Eles ficaram muito satisfeitos com a cooperação e os resultados que Gehl os apresentou.
Rejuvenescimento do Largo de São Francisco – São Paulo, Brasil
Esse é um projeto que já foi implementado e faz muito sucesso entre as pessoas da cidade, pois transformou um espaço não utilizado em um espaço público vibrante. Jan Gehl realizou várias oficinas e reuniões públicas, a fim de identificar os problemas e as potencialidades da cidade.
A partir disso, foi feito o redesenho da área, o qual teve três objetivos principais: estabelecer um centro mais seguro e com mais vida; promover uma cidade com um equilíbrio entre pedestres, ciclistas e o transporte público e, por último, oferecer diferentes atividades no espaço público convidando as pessoas a passar mais tempo lá.
Anteriormente, as extremidades da praça eram desconectadas, o que ocasionava travessias e tráfego inseguro para todos. Embora a área universitária, não havia muita coisa acontecendo e as praças eram vistas apenas como um local de passagem.
Mesmo que muitos alunos ficassem até mais tarde na universidade esperando um melhor horário para ir embora, portanto, eles caminhavam para o ônibus por ruas vazias e mal-iluminadas, o que é muito perigoso.
Depois das intervenções serem feitas, as praças se encontram muito melhor conectadas por uma faixa de pedestre, tornando-se muito mais seguras, em que os universitários se sentem mais confortáveis para atravessar a rua da praça para o espaço implementado.
Além disso, o espaço se tornou muito mais convidativo para passar o tempo, com acesso a Wi-Fi, banheiros públicos e uma parte para descansar em um local com sombra. Para deixar tudo mais harmônico, existem ciclovias percorrendo a praça e o ponto de ônibus foi alterado para ter uma conexão direta com a nova travessia.
Hoje em dia, Gehl continua exercendo sua profissão na Gehl Architects com o propósito de construir a compreensão da vida, da forma e dos sistemas urbanos compartilhados para assim oferecer um futuro no qual as pessoas possam ter um maior controle sobre sua saúde.
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