Placemaking: como fazer espaços mais gentis?
Por Nathália Zanardo
21 março 2023
O Placemaking é um conceito abrangente que tem como objetivo melhorar o ambiente urbano criando espaços que estimulem a interação entre pessoas e a cidade, promovendo comunidades mais saudáveis e felizes.
Com um processo centrado nas pessoas, a ferramenta inclui a participação da comunidade no planejamento, no design e na gestão de espaços públicos. Inspirando as pessoas a apropriar a cidade e fortalecendo as conexões com os lugares que elas convivem.
Confira, a seguir, o que é o Placemaking, como surgiu, sua aplicação, princípios e mais!
O que é Placemaking?
A tradução literal da palavra Placemaking significaria “fazer lugares” e essa tradução não poderia refletir melhor a essência do amplo conceito. Afinal, essa ferramenta abrange o planejamento, o desenho, a gestão e a programação de espaços públicos que estimulem as conexões.
Com o objetivo de transformar lugares, sua principal ideia é fomentar as interações, facilitando a criação de atividades e conexões culturais, econômicas, sociais e ambientais. E, assim, promovendo a melhora de uma comunidade, um bairro, uma região ou, até mesmo, uma cidade.
A participação comunitária é importantíssima, ainda mais que o processo é totalmente centrado nas pessoas. Para planejar esses espaços públicos, primeiro devemos entender as pessoas, suas necessidades, aspirações e desejos.
Portanto, o Placemaking é um processo baseado em pensar em lugares para pessoas e com as pessoas. Fazendo lugares que sejam cada vez mais vivos e que contribuam para qualidade de vida de quem se relaciona com ele.
O surgimento do Placemaking
Mesmo disseminado apenas nos anos 1990, as bases do Placemaking começaram a ser discutidas na década de 1960. Defendendo a criação de espaços públicos ativos e convidativos, pensadores como Jane Jacobs e William H. Whyte (em inglês) contrapunham os projetos da época.
Valorizando os espaços para pessoas e atendendo às suas necessidades, essa nova visão passou a colocar as pessoas como centro dos projetos. Esses pensadores não só embasam o conceito atualmente aplicado nas cidades, como também ajudaram na criação de uma ferramenta para o planejamento urbano.
Street Life Project e o comportamento humano
Como um dos grandes mentores do conceito do Placemaking, Whyte realizou uma grande pesquisa sobre o comportamento humano em ambientes urbanos. Integrante da Comissão de Planejamento da Cidade de Nova Iorque, ele começou a se perguntar como os novos espaços planejados da cidade estavam realmente funcionando.
Esse questionamento levou à criação de um estudo pioneiro sobre a dinâmica da cidade e o comportamento do pedestre, chamado de Street Life Project. O estudo se baseia na observação de parques e praças públicas de Nova Iorque procurando o que as pessoas realmente faziam nesses espaços.
Essa pesquisa criou um método voltado para pessoas, o qual consiste em olhar, ouvir e fazer perguntas para aqueles que frequentam aquele espaço para descobrir suas necessidades e suas aspirações.
Em 1975, o Project for Public Spaces (PPS) foi criado para aplicar e popularizar essa inovadora metodologia. Fundado por Fred Kent, um dos assistentes na pesquisa de Whyte, a organização é dedicada na criação de espaços públicos baseados no Placemaking.
A organização também trabalha para disseminar o conceito e desenvolver a abordagem, construindo um verdadeiro movimento para tornar as cidades lugares melhores para se viver.
O diagrama
Com uma ampla pesquisa, a Project for Public Spaces descobriu que os espaços públicos bem-sucedidos possuem algumas qualidades em comum, pois são:
- Acessíveis;
- Ativos;
- Confortáveis;
- Sociáveis.
Então para um espaço público ser de qualidade, ele precisa ser acessível para pessoas de diversas idades e condições físicas. Além disso, deve oferecer diferentes atividades e formas de apropriar o espaço.
Ainda, necessita ser convidativo, com lugares para sentar e uma paisagem agradável, enquanto as pessoas se encontram e fazem novas conexões nesse lugar.
Para ajudar as pessoas a avaliar os espaços públicos baseados em sua pesquisa, a organização criou um diagrama chamado “O que faz um espaço público ser bem-sucedido?”:
Nesse diagrama, os quatro atributos-chave são:
Acessos e conexões
A acessibilidade de um lugar pode ser avaliada através das conexões com o entorno que o espaço possui, que podem ser físicas ou visuais. Afinal, para um espaço público ser de qualidade ele precisa ter um fácil acesso para suas entradas e saídas e precisa ser visível de perto e de longe.
O entorno desse espaço também é muito importante, locais com comércios e serviços criam uma presença maior de pessoas. Essa alta rotatividade também fortalece a presença de transporte público e estacionamentos na região.
Conforto e imagem
O conforto e a beleza podem garantir a qualidade de um espaço público, assim como as percepções sobre segurança e limpeza de um local. Com lugares para sentar e um visual agradável, transmitem a sensação de cuidado, estimulando o uso de espaço.
Usos e atividades
As atividades de um espaço são um dos principais motivos para as pessoas frequentarem aquele local. Por isso, são consideradas um dos pilares básicos quando pensamos na construção de um lugar.
Quando um local não tem muitas atividades para se fazer, provavelmente as pessoas não vão retornar, resultando em um espaço vazio e sem uso.
Sociabilidade
Essencial para despertar o sentimento de pertencimento ao espaço e ao seu entorno por parte do cidadão, a sociabilidade é uma característica difícil de ser alcançada.
Afinal, essa qualidade é atingida quando as pessoas se sentem confortáveis para encontrar amigos, cumprimentar seus vizinhos e até conhecer novas pessoas.
Somente quando as pessoas estão à vontade para interagir com estranhos, significa que o senso de lugar e o apego à comunidade proporcionam esse tipo de atividade social.
11 princípios do Placemaking
Consolidando o conceito do Placemaking, a Project for Public Spaces ainda identificou 11 princípios essenciais para transformar qualquer espaço de uso público.
Assim, todo parque, praça, rua ou calçada pode se tornar um espaço onde as pessoas gostariam de estar e se apropriar.
Conheça, a seguir, os 11 princípios para criar ótimos lugares:
1 – A comunidade é o especialista
Antes de iniciar o desenvolvimento do projeto de um espaço público, é essencial ouvir a comunidade, afinal eles fazem parte da dinâmica real daquele lugar. Portanto, o ideal é identificar as vozes daquela comunidade que podem fornecer diversas perspectivas.
Dessa maneira, você consegue um panorama completo sobre o lugar, desde história, dinâmicas espaciais, valores e necessidades. Envolvendo a comunidade no processo, além do empoderamento, você gera um senso de propriedade sob o novo projeto.
2 – Crie um lugar e não só um design
Para um espaço ter forte senso de comunidade, uma série de elementos é necessária para que as pessoas queiram se apropriar daquele lugar. Por isso, elementos físicos que proporcionem conforto às pessoas devem ser implementados.
Além disso, um visual acolhedor e diferentes atividades vão compor um espaço agradável. Assim, fazendo com que as pessoas se sintam bem-vindas, criando fortes relações com o lugar e aplicando na prática o conceito de Placemaking.
3 – Encontre parceiros
Para viabilizar um projeto de Placemaking, os parceiros são fundamentais para garantir o sucesso. Fornecendo suporte para o projeto, esses parceiros podem ser introduzidos desde o começo com ideias até a parte de implementação.
Os parceiros que podem ajudar a tirar um projeto do papel e dar suporte no processo podem ser diversos, os mais comuns são: instituições locais, empresas privadas, museus e escolas.
4 – Você pode ver muito ao observar
Observar os hábitos de uma comunidade é essencial para entender como os espaços públicos são utilizados. Assim, você consegue entender o que realmente está funcionando ou não para o lugar.
Além disso, a observação permite que você entenda o que está faltando naquele espaço e o que pode ser incorporado no futuro projeto. Depois da implementação de melhorias no lugar, é necessário que a observação continue para entender como você pode melhorá-lo e mantê-lo.
5 – Tenha uma visão
Cada comunidade vai fornecer uma visão individual que contempla pontos essenciais para o desenvolvimento de um espaço público.
Desde atividades oferecidas no local, intervenções para tornar o espaço mais confortável até a definição de um lugar importante para comunidade, tornando-se um espaço atrativo onde as pessoas queiram estar.
Dessa maneira, as pessoas que vivem naquela região vão passar a ter orgulho do local e se identificar com ele, transformando aquele espaço importante e de valor para comunidade.
6 – Comece pelo simples, rápido e barato
A complexidade de um espaço público acaba tornando muito difícil a realização de um grande projeto de uma vez. Por isso, a melhor maneira de se trabalhar é com experimentações de melhorias a curto prazo que podem ser redefinidas com o passar dos anos.
Assim, você pode realizar melhorias ao contribuir para a mudança de um espaço público a curto prazo, como:
- Bancos;
- Jardins;
- Monumentos;
- Faixas de pedestres;
- Cafés ao ar livre;
- Pátios;
- Horta comunitária.
7 – Triangulação
Para William H. Whyte: “Triangulação é o processo pelo qual alguns estímulos externos incentivam interações entre as pessoas e fazem desconhecidos conversarem como se eles se conhecessem.”
Com essa citação, fica evidente que em um espaço público a disposição dos elementos tem um papel fundamental na conexão entre pessoas.
Portanto, os elementos devem estar dispostos de maneira que todas as atividades conversem entre si; dessa forma, você consegue criar o processo de triangulação e aproximar as pessoas.
8 – Sempre dizem “não pode ser feito”
No processo de criação de espaços públicos de qualidade, você vai se deparar com diversos obstáculos.
Como algo muito complexo, a criação desses espaços pode ter soluções consideradas inviáveis para agentes da cidade, sendo um empecilho para implementação do seu projeto.
Por isso, a solução é começar com pequenas melhorias, assim você consegue fomentar e nutrir a comunidade demonstrando a importância deste local. Além disso, você também consegue criar uma maneira de superar os obstáculos que podem aparecer durante a jornada.
9 – A forma dá suporte à função
Mesmo que o design seja importante, em um projeto de Placemaking outros elementos vão definir qual a “forma” que você precisa para criar o futuro espaço.
Com isso, a inclusão da comunidade, as ideias dos parceiros, a compreensão da dinâmica local, a experimentação e a superação de obstáculos servirão para construção do conceito do projeto.
10 – Dinheiro não é o problema
Após a instalação da infraestrutura básica em um espaço, os outros elementos que precisam ser instalados para que funcione não são caros, como comércio, mobiliário urbano e vegetação
Como consequência de um bom projeto, muitas vezes esses elementos podem surgir naturalmente.
Até mesmo parceiros e a própria comunidade podem ser envolvidos para reduzir os custos. O mais importante é entender que os benefícios futuros de um projeto de Placemaking são muito maiores do que o investimento necessário.
11 – Nunca termina
Os bons espaços públicos devem entender que as necessidades podem mudar ao longo do tempo. Por isso, em um projeto de Placemaking é essencial estar aberto para as mudanças com flexibilidade para incorporar as transformações necessárias.
Placemaking, o futuro dos espaços
Baseado em criar lugares para pessoas e com as pessoas, o Placemaking é um conjunto de ações que visa a melhorar os espaços públicos envolvendo a comunidade durante todo o processo.
Grandioso e complexo, esse processo é muito trabalhoso, mas oferece benefícios únicos para a cidade, criando uma autenticidade de lugar.
Empoderando a comunidade e compreendendo o que o lugar realmente necessita, o processo cria um espaço dotado de significado para as pessoas.
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