Tomie Ohtake – Biografia e obras
Por Thainá Neves
10 junho 2021
Tomie Ohtake foi uma artista plástica de extrema importância, afinal é dona de uma estética inconfundível que encanta e intriga.
De origem japonesa, Tomie adotou o Brasil como a sua pátria, mas sem perder a essência de sua cultura. Dessa maneira, as suas centenas de pinturas, esculturas e gravuras possuem uma estética inconfundível que une o ocidente ao oriente.
A vida de Tomie Ohtake do Japão ao Brasil
A vida de Tomie Ohtake no Brasil teve início em 1936, quando a artista, aos 23 anos de idade, veio ao País para visitar o seu irmão. A intenção era ficar por um tempo em São Paulo e depois retornar para Quioto, sua cidade natal.
Porém aconteceu o início da Segunda Guerra Mundial, tornando insegura a volta de Tomie para o Japão. Logo, o que seria uma temporada de um ou dois anos, transformou-se em uma vida inteira com belos caminhos no Brasil, a sua segunda pátria.
Nos anos seguintes, Tomie casou-se com Ushio Ohtake, engenheiro agrônomo e também imigrante japonês. Foi de seu esposo que a artista adquiriu o sobrenome com o qual se tornou conhecida.
Seus dois filhos também nasceram e cresceram no Brasil. Além disso, ambos cursaram arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP).
Ruy Ohtake, o filho mais velho, tornou-se um renomado e reconhecido profissional, com projetos icônicos que marcaram a história do País. Já Ricardo Ohtake, o segundo filho, seguiu para os caminhos da comunicação visual.
No Brasil, o bairro da Mooca foi o primeiro refúgio de Tomie Ohtake, onde viveu durante muitos anos, até que, em 1970, se mudou para uma casa projetada por seu filho Ruy.
Em virtude da sua identificação com o País, em 1968, Tomie se naturalizou brasileira e adotou o Brasil como o seu país até o fim da vida.
Tomie Ohtake: a dama das artes plásticas brasileira
O interesse pelas artes sempre esteve presente na vida de Tomie Ohtake, porém adormecido. As suas habilidades se desenvolveram de fato mais a fundo após o incentivo que a artista recebeu de Keiya Sugano no ano de 1952, no auge dos 40 anos de idade de Tomie.
A princípio, ela criava obras que representavam paisagens e cenas cotidianas, mas o seu estilo artístico passou por uma transformação até atingir uma estética bastante abstrata.
Tomie iniciou a sua participação em exposições e salões de arte durante o período em que suas pinturas ainda apresentavam características que lembram a realidade.
Aos poucos, as pinturas de casas e cidades, com certo realismo, foram substituídas por impactantes imagens orgânicas e uma paleta de cores singular. No intermédio dessa mudança de estética, as suas pinturas continham bastante formas geométricas com cores em diversos tons.
O tipo de estética adotada pela artista segue a vertente do abstracionismo informal, também conhecido por abstracionismo sensível. Isso porque é um estilo de criar que está focado no desenho desprendido e livre.
Mesmo possuindo métodos e certas regras, o abstracionismo de Tomie sempre esteve bastante ligado à emoção. Como a própria artista disse: “minha obra não tem que ser bonita, minha obra tem que ser expressiva”.
Além da pintura, a artista explorou as áreas de serigrafia, litogravura, gravura em metal, painéis e escultura. Em todas elas as cores vivas são um destaque, ressaltando e valorizando o ambiente no qual estão inseridas.
A partir dos 50 anos de idade, a carreira de Tomie Ohtake atingiu pleno desenvolvimento, de forma que a artista começou a participar de mostras individuais e desenvolver trabalhos que levaram visibilidade.
A influência da arte oriental também está presente, especialmente na composição dos elementos, resultando em obras que são despidas de qualquer excesso e que misturam a tradição ao contemporâneo.
Tomie Ohtake na pintura abstrata
A organicidade é uma das características principais das pinturas de Tomie Ohtake, bem como a paleta de cores cuidadosamente pensada para contrastar entre si, ao mesmo tempo em que se complementam.
As cores escolhidas por Tomie Ohtake se reduzem a duas ou três, de maneira que o avermelhado e o preto estão presentes em boa parte de suas obras.
Em alguns momentos, a pintura de Tomie revela transparência, com camadas sobrepostas e bastante movimento.
Em outros períodos, Tomie Ohtake apresenta uma obra com camadas densas de pintura e repleta de texturas que saltam aos olhos do observador. Assim, a luz que incide sobre a tinta brilhante proporciona ainda mais profundidade.
Entre 1959 e 1962, a artista realizou uma série de pinturas com os olhos vendados na intenção de exteriorizar o seu interior plenamente. Essa é uma forma de abstracionismo que mergulha ainda mais fundo em maneiras alternativas de representação da arte, deixando se levar apenas pelos sentidos e não pela visão.
Essas obras renderam a exposição Pinturas Cegas, em 2011, criando uma reflexão de que a emoção pode ser o ponto de partida para a criação de arte e não apenas as características estéticas e plásticas dos elementos.
Tomie Ohtake, ao longo de sua carreira, se mostrou uma artista completa, capaz de criar nos mais diversos tipos de espaços. Nos 20 anos iniciais de sua carreira, a artista permaneceu dedicada à pintura, consolidando a sua identidade e posteriormente entrou no universo da escultura.
Analisando toda a sua criação, as linhas parecem se transportar do papel, das telas e das gravuras para o espaço tridimensional das esculturas, de maneira impressionante, como se um fosse a extensão do outro.
Os painéis públicos de Tomie Ohtake
Saindo das telas e partindo para a escala das cidades, a artista também desenvolveu diversos painéis, tanto em ambientes internos como em conhecidas paisagens, especialmente da cidade de São Paulo.
Painel no Memorial da América Latina
No Auditório Simón Bolívar, um projeto com autoria de Oscar Niemeyer, a artista criou um painel em tapeçaria com mais de 70 metros de extensão. As cores vivas contrastam com os tons escuros do mobiliário e dos revestimentos, destacando o movimento e a organicidade dos elementos.
A peça foi finalizada no ano de 1990, no entanto, em 2013, um incêndio atingiu o Auditório, danificando a obra. Quando soube do acontecido, a artista iniciou um processo de reconstrução, com a diferença de que a nova tapeçaria foi realizada em uma peça única e sem emendas.
Painéis da estação de metrô Consolação
A obra Quatro Estações, criada por Tomie para o metrô Consolação, é composta por quatro painéis e, como o próprio nome já diz, representa as cores e as sensações que as épocas do ano carregam. Assim, o verde é a primavera, o amarelo é o verão, o marrom é o outono e o azul, inverno.
Cada um dos painéis possui mais de 15 metros de extensão e são compostos por pastilhas de vidro que dão um efeito interessante, variando levemente de tons entre si.
O local recebe milhares de passageiros diariamente, o que para Tomie foi um ótimo estímulo, afinal inserir suas obras no cotidiano de tantas pessoas é uma maneira de aproximá-las da arte, tornando suas vidas mais leves e bonitas.
Painel Ladeira da Memória no Vale do Anhangabaú
Localizado na parede sem aberturas do Edifício Santa Mônica, o painel possui mais de 55 metros de altura e foi executado em 1984. Para pensar a obra, Tomie retratou o que queria precisamente em uma tela de 1 metro de altura, da mesma forma que costumava fazer para outros painéis de grande dimensão.
A obra é composta por oito cores de tinta epoxy, que saltam da paisagem cinza predominante, configurando-se como um ponto de cor energizante que convida a viver.
Esculturas são as linhas fora do papel
Toda a obra de Tomie Ohtake é bastante homogênea e as esculturas deixam isso evidente, pois seguem a linguagem da arte criada nas telas, tanto pelas cores como pelas formas.
As esculturas da artista plástica normalmente são grandes volumes orgânicos constituídos por materiais como aço e metal. Assim, o processo que se inicia com um pensamento em linhas resulta em uma obra com força descomunal.
As Ondas, uma escultura que aponta para o mar
Uma das mais emblemáticas é a escultura As Ondas, que está localizada em Santos, apontando para o mar. O impacto da cor vermelha, em contraste com o fundo azul, faz da obra um ponto de destaque bastante apreciado por turistas e visitantes do local.
A escultura possui 15 metros de altura e lembra uma fita sendo agitada pelo vento, porém, segundo Tomie, ela não tem um significado exato, pois a ideia é que cada um busque a sua própria interpretação.
Escultura no Auditório do Ibirapuera
Além de esculturas externas, Tomie criou obras que complementam espaços importantes em edifícios da cidade de São Paulo.
No hall de acesso do Auditório do Ibirapuera, por exemplo, uma bela escultura sinuosa compõe o espaço com curvas que se estendem das paredes até o forro. O detalhe das pontas levemente soltas dá ainda mais dinamicidade a essa bela obra.
Monumento à imigração japonesa
O monumento foi desenvolvido em comemoração aos 80 anos do início da imigração japonesa para o Brasil e está localizado em frente ao Centro Cultural São Paulo. A escultura em concreto armado totaliza 40 metros de comprimento e possui ondas coloridas.
Tomie Ohtake, sendo uma das grandes representantes do movimento migratório, desenhou a escultura pensando nas linhas que se dobram como as diferentes gerações de japoneses que escolheram viver no Brasil.
Monumento ao trabalhador
A escultura que homenageia a classe trabalhadora está localizada no Paço Municipal de Santo André, ao lado do espelho d’água, desde 2013.
Os seus 12 metros de altura se desenrolam em um gracioso formato de fita. Essas curvaturas foram obtidas por meio do aço, um material bastante maleável e resistente.
Além de estar em um espaço bastante representativo para a cidade de Santo André, a cor vermelha vibrante completa a paisagem de maneira muito interessante.
Tomie Ohtake é um marco entre o oriente e o ocidente
A quantidade de exposições nas quais Tomie Ohtake apresentou o seu trabalho por si só retrata o sucesso e a relevância de sua arte, afinal foram mais de 120 exposições individuais e quase 400 exposições coletivas, as quais aconteceram tanto no Brasil como em diversos países do mundo, rendendo 28 premiações, incluindo o Prêmio Itamaraty.
Além de suas pinturas, gravuras, painéis e esculturas, o Instituto Tomie Ohtake é um dos maiores legados deixados pela artista. Isso porque é um espaço totalmente dedicado às artes plásticas, à arquitetura e ao design, valorizando a produção nacional e incentivando novos artistas.
A construção, projetada por seu filho e grande arquiteto Ruy Ohtake, foi inaugurada em 2001 e apresenta elementos bastante únicos. As curvas da fachada e as cores, por exemplo, fazem uma relação direta à obra de Tomie.
Sua trajetória foi extensa, de forma que a artista viveu até os 103 anos de idade em plena lucidez e criando arte até os últimos momentos de sua vida.
Se fosse para resumir toda a sua bela história de vida, além de marcar as paisagens do Brasil, o grande legado que Tomie deixou foi o encontro entre o oriente e o ocidente.
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