Pantera Negra – Afrofuturismo e as raízes como forma de autoconhecimento
Por Thainá Neves
20 abril 2021
Pantera Negra é uma obra que, além de quebrar recordes nos cinemas, criou inúmeras possibilidades para o mundo real. Com elenco e direção compostos em sua maioria por pessoas pretas, o filme trata da força da ancestralidade.
A visão do diretor Ryan Coogler sobre as questões raciais transportou a história dos quadrinhos para as telas, de maneira brilhante.
Portanto, toda a trama se desenvolve pautada no peso das tradições e da espiritualidade, mostrando como elas podem estar alinhadas com a tecnologia. Afinal, adotar soluções que facilitam e transformam o cotidiano não significa deixar para trás os costumes de um povo.
A força da ancestralidade em Wakanda
O cenário principal do filme Pantera Negra é Wakanda, país fictício extremamente poderoso, tecnologicamente evoluído e com preciosas fontes do metal fictício Vibranium. Além disso, é uma nação não colonizada, detalhe muito importante para mostrar que não há interferência forçada de outras culturas.
Para chegar até o centro de Wakanda é preciso ultrapassar um limite entre verdes colinas, portanto está em uma localização desconhecida pelos outros países.
Nesse território, tradições, misticismo e ancestralidade conduzem o cotidiano, sobretudo em decisões importantes como a escolha do novo rei. É em um desses momentos que entra em cena o personagem principal, o rei T’Challa.
T’Challa é o escolhido para governar a nação após vencer um combate pelo trono e passa então por um ritual no qual recebe os poderes do Pantera Negra. Durante o ritual, há até mesmo um momento de conexão com o seu falecido pai.
O pacifismo e o equilíbrio marcam o governo do rei T’Challa, até o momento em que o seu primo Erik Killmonger decide reivindicar o trono com o objetivo de levar a tecnologia de Wakanda ao mundo todo.
Enquanto o rei acredita que resguardar o reino seja a melhor maneira de governar, seu primo tem outra visão sobre a justiça e sobre o uso de todo o armamento tecnológico.
Apesar de ser o vilão do filme, o primo de T’Challa representa muito os filhos da diáspora. Isso porque ele nasceu nos Estados Unidos e não teve contato direto com a cultura de seus ancestrais em Wakanda, situação bastante parecida com a que vivem muitos descendentes do povo escravizado.
Wakanda e a realidade brasileira
O Brasil se enquadra nessa realidade, visto que mais de 46% da população é parda ou preta, descendente dos africanos trazidos para o País.
A ida de Erik até Wakanda representa, portanto, o retorno às origens que ele não teve a oportunidade de conhecer integralmente durante a infância.
Cada um dos personagens tem a sua relevância, o que torna, até mesmo, difícil diferenciar os principais dos coadjuvantes. Mas é isso que dá diferentes tons ao filme, que não é nada superficial.
Os moradores de Wakanda quebram os estereótipos, isso porque eles podem ser reis, rainhas, guerreiros ou o que mais desejarem.
As posições ocupadas pelas mulheres sinalizam bem essa ruptura, a começar pela rainha-mãe, Ramonda, que é um símbolo de resistência. Além disso, a irmã do T’Challa é a chefe de inovação tecnológica, assim como a Okoye é uma poderosa guerreira que integra a impressionante organização militar.
Pantera Negra deu voz à cultura africana dentro do mundo dos super-heróis e se tornou uma verdadeira referência para o caminho até a equidade.
O mundo pela lente do Afrofuturismo
Wakanda é encantadora desde a arquitetura das cidades até a moda. Nos edifícios está evidente a união entre as técnicas regionais de construção e o estilo High-Tech, utilizando como inspiração as obras da arquiteta iraniana Zaha Hadid.
O Afrofuturismo na arquitetura de Wakanda
A criação do palácio da família real de Wakanda foi o ponto de partida para a designer Hannah Bleacher. A partir daí, ela pensou em cada aspecto dos outros edifícios que compõem o cenário, especialmente na Cidade Dourada.
No entorno do límpido rio que corre no centro da cidade, há edifícios fluidos em formatos curvos ou mesmo espiralados. Os materiais remetem às maneiras de construir e materiais utilizados por diversos povos africanos.
Assim, no lugar de serem ofuscados, os saberes ancestrais de construção são valorizados e permanecem firmes, em harmonia com o alto desenvolvimento tecnológico.
O Afrofuturismo no figurino
Para criar esse universo, foram utilizadas referências de diversos locais do mundo, uma delas é o Egito. Mas, de forma geral, o continente africano se manteve como a principal referência e ganhou um destaque especial no figurino.
A heterogeneidade está representada nas cores, nas texturas, nas estampas e nos acessórios, fazendo referência às tribos espalhadas por esse território.
Até mesmo as pinturas corporais, feitas com elementos da natureza, referem-se a um povo. Assim, localizados no centro da África, os povos Fulas utilizam esse tipo de grafismo que, além da beleza, são marcadores de eventos.
Todos os elementos que compõem a impressionante estética visual do filme Pantera Negra criam uma relação bastante direta com o Afrofuturismo, um movimento cultural estético.
Tudo começou nos anos 50, quando o Afrofuturismo se manifestou por meio da música, da moda, das artes plásticas e da ficção científica. Assim, dissemina a ideia de que a cultura afro não está ligada apenas ao fazer manual e de que os pretos também existem no futuro, assim como a tecnologia.
Apesar de o nome se referir a um tempo que ainda virá, o Afrofuturismo incentiva a mudança do imaginário presente, afinal o preto pode ocupar o lugar que quiser.
“Pretos no topo” – O impacto da representatividade
A representatividade é importante, afinal quando nos sentimos parte de um grupo passamos a nos enxergar também como parte do mundo.
O filme Pantera Negra faz isso utilizando o território como ponto de partida. O retorno, conhecer o local onde habitaram os ancestrais, auxilia no processo de autoconhecimento.
Os recordes quebrados pelo filme Pantera Negra
A visibilidade que o filme proporcionou à cultura afro transbordou e chegou ao mundo real. Os resultados foram premiações de melhor trilha sonora, melhor figurino e melhor direção de arte no Oscar 2019.
Nessas duas últimas categorias, as vitórias foram históricas, pois a figurinista Ruth E. Carter e a diretora de arte Hannah Beachler se tornaram as primeiras mulheres negras a levar um Oscar. Uma grande conquista!
Nos discursos para receber a estatueta foram enfatizadas a importância da representatividade, bem como a dedicação para abrir os caminhos para as futuras gerações.
“A Marvel pode ter criado o primeiro super-herói negro, mas através do figurino nós o transformamos em um rei africano. Eu não posso dizer o suficiente sobre como esse filme se conectou com as pessoas de uma maneira tão bonita. As pessoas querem honrar a si mesmas, querem honrar sua cultura, querem honrar a África. Eles só querem ser felizes por serem quem são, não tentando ser algo que não são.”
– Ruth E. Carter
Os modelos desenvolvidos por Carter para as produções de cinema na qual trabalhou renderam até uma exposição retrospectiva com o tema “Afrofuturismo em figurinos”.
A representatividade das telas para o mundo real
No mundo pop, há outros exemplos de produções afrofuturistas bastante impactantes que conversam com o mundo real.
O álbum visual Black is King, lançado em 2020 pela cantora Beyoncé, é um exemplo desses resultados, pois, de maneira semelhante, trata o território como ponto de retorno utilizando a estética Afrofuturista.
“A história é o seu futuro. Um dia você irá conhecer você mesmo, voltando de onde você começou…” é uma das frases ditas ao longo do vídeo e que enfatiza a importância de se reconectar ao que está no passado.
Ao longo do álbum, as letras temáticas das músicas e as inúmeras referências à cultura africana se unem à estética Afrofuturista com cores vivas.
Os elementos presentes tanto em Pantera Negra como em Black is King materializam a frase “pretos no topo”, incentivando os afrodescendentes a não terem medo de ocupar os espaços desejados.
De fato, a história carregada pelo território pode ser um dos pontos-chave para conexão entre o que os seus antepassados foram, o que você é agora e o que será no futuro. Que você se sinta confortável e bem-representado em sua jornada de autoconhecimento.
“Você é bem-vindo em seu retorno a si mesmo. Que o preto seja sinônimo de Glória.” (Beyoncé em Black is King).
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